Cotidiano

Como se tornar um turista melhor

O turismo em excesso está sufocando cidades ao redor do mundo; veja o que você pode fazer para evitar ser parte do problema – sem deixar de sair de casa. Turistas fazem fila no elevador Santa Justa, em Lisboa
Patricia de Melo Moreira / AFP/Arquivo
“Mais pessoas estão viajando – o que é ótimo – mas não há mais joias escondidas.”
Esse foi um comentário que eu ouvi esperando em uma fila de imigração em Dublin, na Irlanda, no mês passado. Os turistas estavam falando sobre Dubrovnik, na Croácia, e sobre como ultimamente todos os destinos parecem lotados.
A ideia me impressionou de um modo estranho:
Claro, mais pessoas estão viajando, o que é bom. Elas estão ampliando seus horizontes.
Mas reduzir os destinos a uma coleção cada vez menor de “joias escondidas” a serem assinaladas em uma lista é o tipo de atitude que alimenta o excesso de turismo.
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Qual é o problema?
O excesso de turistas é um problema no mundo todo: Machu Picchu, no Peru; Ilha de Skye, na Escócia; Gion, um distrito de gueixas em Kyoto, no Japão; Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã; os canais de Veneza; os campos de papoulas da Califórnia; Maya Bay, na Tailândia, agora fechada para turistas por tempo indeterminado; Museu do Louvre, em Paris – que reabriu no final do mês passado, após ter fechado porque os funcionários tiraram licença em massa devido às condições decorrentes da quantidade excessiva de turistas.
Todos esses lugares receberam mais turistas do que eles podem receber – tanto pessoas do mesmo país quanto estrangeiros.
O excesso de visitantes sobrecarrega os locais, causando problemas como danos ambientais. Além disso, muitos não respeitam a cultura local, bebem em excesso e até causam o aumento do valor dos aluguéis.
Ao mesmo tempo, ninguém deve ser desencorajado a viajar. Então, como você pode ser um turista melhor?
‘Por que eu quero ir até lá?’
Em 2013, a jornalista Elizabeth Becker analisou a questão do excesso de turistas no livro Overbooked: The Exploding Business of Travel and Tourism.
“Ninguém entendeu o que eu estava falando (na época)”, ela disse.
Agora, no entanto, é uma realidade com a qual cidades do mundo inteiro estão tendo que enfrentar.
De acordo com um relatório de janeiro da Organização Mundial de Turismo da ONU, as entradas de turistas internacionais atingiram 1,4 bilhão em 2018.
Compare isso com apenas 25 milhões em 1950, 602 milhões em 1998 e 936 milhões em 2008. Até 2030, a expectativa é que o número chegue a 1,8 bilhão.
Há vários fatores para esse crescimento tão forte: uma crescente classe média global, tarifas aéreas mais baratas, metas ambiciosas de turismo estabelecidas pelos governos e pelas mídias sociais, que estimulam o FoMO (Fear of Missing Out, ou “medo de estar perdendo algo”, em tradução livre).
Para fazer sua parte, talvez seja interessante, antes de tudo, examinar por que você quer viajar.
Em maio, eu caminhei ao longo do lado leste do Muro de Berlim – o lado comunista da barreira de concreto de 3 metros de altura que dividiu a cidade por décadas.
Antes da queda do muro, qualquer tipo de grafite político ou cultural era proibido em sua estrutura. Agora, é uma galeria de arte de rua ao longo de 1,3 km – uma homenagem às liberdades que floresceram desde que a cidade se reunificou.
No entanto, encontrar espaço para apreciar o local e todo seu simbolismo foi complicado: em três lugares, os jovens viajantes realizavam longas sessões de fotos amadoras, faziam poses e monopolizavam algumas áreas.
Moradores e outros viajantes tinham que desviar desse espetáculo.
“A questão é que você quer ir a um lugar ou mostrar às pessoas que você esteve no local.” diz Eduardo Santander, diretor executivo da European Travel Commission.
“Parte das razões pelas quais as pessoas têm experiências superficiais de viagens é porque elas fizeram planos superficiais”, diz Becker.
Ela incentiva as pessoas a fazer mais do que simplesmente ler um parágrafo em um guia ou copiar o que os amigos compartilham no Facebook e, depois, cair de paraquedas em uma cidade e fazer a mesma selfie que eles fizeram.
Caso contrário, você corre o risco de cometer o que Becker chama de “turismo de passagem”, o que contribui para muitos dos problemas do excesso de turistas, como a superlotação e a irritação dos habitantes locais.
Outra dica é perguntar a si mesmo o que você realmente quer fazer e ver.
Becker recomenda não fazer coisas que você não faria em casa: se você não gosta de museus, por exemplo, não vá ao Louvre para andar sem nem perceber o que está vendo, ela diz.
Vá além
“Se você estiver indo para Praga, em vez de passar dois dias, passe uma semana – e não vá a lugares turísticos. Ande por tudo”, diz Becker.
“Talvez você tenha realmente lido um romance – até mesmo de um autor tcheco. Talvez um livro de história ou política moderna, e você saiba mais sobre onde você está indo. Absorva aquele lugar, e garanto que você conseguirá evitar as multidões”, diz.
Se você for a Paris, é compreensível que queira ver a Torre Eiffel. Mas um rápido passeio apenas pelas atrações principais reforça o problema do excesso de turistas. Em vez de ver lugares que estão lotados, considere viajar mais longe.
Baixe o aplicativo
Você também pode usar aplicativos para evitar deixar um local que já é cheio ainda mais lotado.
Martha Honey, diretora executiva do Center for Responsible Travel de Washington, nos Estados Unidos, menciona um aplicativo em Amsterdã que envia notificações para o seu celular se determinada parte da cidade estiver mais cheia que o usual.
Em cruzeiros, Honey sugere escolher navios menores.
“Em vez de fazer um grande cruzeiro em lugares como Veneza, Barcelona e Dubrovnik, viaje em navios de cruzeiro menores. Dessa forma, você pode ir a lugares menos visitados porque navios menores podem chegar a portos menores.”
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CONSELHO DE TURISMO/DUBROVNIK
Soluções na Islândia
A Islândia tem uma população de apenas 340 mil pessoas – mas recebeu 2,3 ​​milhões turistas em 2018.
Lá, os turistas estão sendo incentivados a se espalhar e visitar locais mais distantes, além da capital Reykjavik ou da famosa Lagoa Azul.
A iniciativa estimula a economia de uma forma que ajuda a população local.
“Isso está ajudando, porque os turistas são clientes que vão sustentar empresas na área rural da Islândia”, diz Sigríður Dögg Guðmundsdóttir, gerente de relações públicas da Promote Iceland. “Isso é muito importante para os moradores locais, que são poucos.”
Respeite
O excesso de turistas não está simplesmente enchendo os lugares mais do que eles podem suportar: está enchendo esses lugares de pessoas que não conhecem a cultura local.
“As pessoas querem fazer a coisa certa, mas precisam saber o que é certo”, diz Guðmundsdóttir.
É por isso que destinos como a Islândia e o Japão adotaram campanhas para ensinar os visitantes a se comportarem de acordo com as regras locais.
No caso da Islândia, a ideia é evitar que dirijam fora da estrada, tirem selfies em locais perigosos ou que danifiquem a natureza.
Em Kyoto, no Japão, eles distribuem panfletos em várias línguas com mensagens que explicam a forma adequada de se comportar.
Os turistas devem ter em mente que “eles estão apenas pegando emprestado os lugares dos residentes locais”, diz Tadashi Kaneko, diretor executivo da Organização Nacional de Turismo do Japão.
Pesquise
Também é muito importante a escolha responsável em relação à acomodação. Apesar dos anúncios do Airbnb que prometem que você “viverá como um morador local”, muitas experiências do Airbnb envolvem coletar uma chave de um cofre e nunca encontrar o anfitrião local, muito menos fazer amigos.
E aí, você pode economizar um pouco, mas pode estar estimulando um movimento de expulsar os habitantes locais – ou pior que isso.
Martha Honey lembra quem os turistas precisar checar se o modelo está de acordo com as leis locais – porque às vezes não está.
“Faça uma pesquisa no Google – veja se houve problemas. Se você estiver indo para Barcelona ou Charleston, Carolina do Sul ou Savannah (na Geórgia, nos Estados Unidos), por exemplo, são cidades que têm realmente sentido o impacto de muitas propriedades sendo transferidas para alugueis de curto prazo “, diz ela.
Planeje melhor
Com tantos recém-chegados à classe média em países com rápido desenvolvimento, todas essas dicas ainda se aplicam?
Um cenário é procurar destinos menos visitados se você tiver dinheiro para voltar ao país algum dia.
Mas e se for a sua primeira viagem internacional e você está animado, sem garantia de que poderá voltar? Quem poderia culpá-lo por priorizar pontos turísticos muito famosos?
Becker diz que ter consciência do orçamento limitado – ou encarar viagens como a oportunidade preciosa que elas são – não só ajuda você a ser um turista mais consciente, mas também é importante para reduzir os gastos.
“Se você não tem muito dinheiro, você tende a planejar melhor suas viagens”, diz ela. “Você vai pesquisar na internet o melhor valor para hospedagem. Você vai pesquisar previamente sobre o seu destino. Você encontrará, por um preço bom, o voo sem escalas.”
Ela diz que muitos pacotes turísticos não só estão cheios de taxas escondidas, mas também priorizam o turismo “de passagem” pelos lugares, deixando as pessoas com pouco para lembrar depois.
O excesso de turistas pode prejudicar não só as culturas locais, mas também as próprias experiências dos viajantes.
“Embora possa ser percebido assim, eu não acredito que desistir de visitar um destino popular é objetivamente um sacrifício para aqueles que não conseguem viajar com frequência. Estamos no ponto em que o excesso de turistas está arruinando as férias daqueles que podem ter só uma chance de conhecer um novo país”, diz Samantha Bray, diretora administrativa do Center for Responsible Travel.
“As memórias da França que você quer levar para casa são de multidões de pessoas tentando tirar fotos da Mona Lisa? Ou de pessoas espremidas em uma praia?”
A maior questão para ter em mente, não importa para onde você viaje, é: fazer uma boa pesquisa, e ser respeitoso e genuinamente curioso sobre o destino.
Não seja vítima do que Honey chama de “cultura da selfie” e “cultura da lista de desejos”.
Trate o destino como se fosse sua própria casa – não como uma “joia escondida” em que você joga dinheiro para ter uma determinada experiência que você se sente direito.
“Muitas pessoas acham que têm o direito de ir a qualquer lugar que quiserem”, diz Becker.
Mas ela diz que se trata de um privilégio: “O direito de viajar não existe.”
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redação

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