Cotidiano

A relação de amor e ódio dos espanhóis com o turismo de cruzeiro

Península Ibérica é destino número um das viagens de cruzeiro na Europa – são multidões de turistas que entopem cidades, irritam moradores e consomem pouco. Mas setor é lucrativo e gera empregos para a Espanha. O maior navio de cruzeiro do mundo, da Royal Caribbean Cruises, o Symphony of the Seas, com 362 metros de comprimento, durante sua cerimônia de apresentação mundial, ancorado em um porto em Málaga, Espanha, 27 de março de 2018.
Jon Nazca/Reuters/Arquivo
A viagem inaugural do Symphony of the Seas, no início de 2018, não soou harmônica para todos os espanhóis. O maior navio de cruzeiro do mundo, com 362 metros de comprimento, 3 mil cabines, 40 restaurantes e 23 piscinas, ilustra bem o que costuma faltar na Espanha: planejamento preventivo.
Embora a maioria dos cruzeiros, de longe, vá para o Caribe, em dez anos o número de turistas marítimos no país ibérico dobrou sem que ele tivesse se preparado para tal. Com 46 milhões de habitantes, em 2017 a Espanha bateu recorde absoluto de visitantes: 82 milhões, dos quais 9 milhões eram passageiros de cruzeiros.
Biel Barceló, da organização Agrupación Ciudadana Ciutat de s’Arenal, em Palma de Maiorca, conta entre o número crescente de espanhóis que querem limites para o turismo de massa. “Mas o turismo de cruzeiro é inofensivo perto do que nós vemos todo dia aqui em s’Arenal”, diz o ativista. Ele não consegue se habituar aos alemães baderneiros e bêbados: “Turistas de cruzeiro chamam bem menos atenção.”
Em cidades como Ibiza, Palma ou Barcelona possivelmente chega mais gente diariamente pelos aeroportos do que nos navios, os quais em geral só aportam nos fins de semana e talvez uma vez mais durante a semana. Ainda assim, embarcações como a Symphony of the Seas, a qual, como tantas outras, tem seu porto de registro em Barcelona, desagradam a muitos espanhóis.
Má coordenação nas cidades
O aumento constante do número de movimentos antiturismo nas Ilhas Baleares e na Catalunha poderia dar a impressão de que turistas não são mais bem-vindos. “Não é absolutamente o caso, mas nós precisamos regulamentar a coisa melhor, e não mandar dezenas de ônibus, uns atrás dos outros, do porto para a cidade, paralisando completamente o tráfego e piorando a poluição do ar”, explica o especialista em turismo Jordi Villart.
“A oferta para esses turistas precisa simplesmente ser diversificada. Eles não podem debandar todos ao mesmo tempo para a catedral”, diz Villart, que vive e trabalha em Palma de Maiorca, segundo destino preferido dos cruzeiros depois da capital catalã, Barcelona.
“A diferença para o turismo normal é que até 4 mil viajantes desembarcam todos juntos, num curto espaço de tempo, e aí voltam todos no mesmo momento. E, devido aos programas all inclusive, consomem pouco na cidade”, diz Pablo Lamas, da central espanhola de reservas de cruzeiros Aquotic.
“Normalmente todos os navios também chegam nos mesmos dias, por causa dos ciclos de férias. Pouca gente tira férias numa terça-feira, a maioria quer começar no sábado”, acrescenta Lamas.
No entanto a Espanha não pode se permitir publicidade negativa em questões de turismo. Segundo a administração portuária, em 2017 os cruzeiros geraram 1,3 bilhão de euros, o equivalente a 11% do faturamento da indústria turística nacional; e 28.500 cidadãos trabalham direta ou indiretamente no setor. A maioria atua nos portos, que nos próximos anos pretendem investir 300 milhões para fazer a indústria dos cruzeiros crescer ainda mais.
Zonas-tampão, filtragem e eletromobilidade
Em 2018, a Catalunha e as Baleares, que atraem o maior volume de visitantes à Espanha, não só elevaram as taxas para turistas como as estenderam também aos passageiros de cruzeiros. Palma de Maiorca está cobrando 3 euros por cabeça, Barcelona, 2,25 euros. Diversas empresas de cruzeiro criticaram a medida.
A capital catalã pretende também ampliar a zona portuária em 14 mil metros quadrados, a fim de transformá-la numa espécie de zona-tampão para os turistas. Além de bares e restaurantes, haverá uma escola de vela e outra de ciências marinhas, com uma área dedicada a atividades culturais. Valência, também na costa leste, tem planos semelhantes.
Barcelona e Palma igualmente adotaram medidas para filtrar as ondas de turistas que invadem a cidade. “Nós levamos uma parte dos visitantes direto do porto para a praia de ônibus, para evitar ter 4 mil turistas circulando por Barcelona”, conta Susana Suárez, da administração municipal local.
A eletromobilidade também ganha terreno como forma de transportar os turistas para a cidade ou a praia. Em Palma foram disponibilizados bicicletas e carros elétricos; em Barcelona há um metrô do porto para o centro; e a partir de 2019 Málaga pretende introduzir ônibus elétricos autônomos para os visitantes.
Porém, o tema bicicletas elétricas não é totalmente livre de controvérsias. “Em Palma já há reclamações, pois alguns pedestres acham que essas e-bikes trafegam rápido demais para o centro pequeno e sempre lotado”, revela o advogado alemão Tim Wirth, residente nas ilhas Canárias.
Apesar dos próprios preconceitos contra navios de cruzeiro, os espanhóis parecem estar descobrindo sua simpatia por essa forma de turismo, tendo se transformado no quarto mercado da Europa para as operadoras do ramo. No momento apenas meio milhão de espanhóis sobem a bordo, contra mais de 2 milhões de alemães, por exemplo, mas diversas operadoras estão dispostas a investir para elevar esse número.
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redação

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