Cotidiano

A espetacular imagem da Via Láctea refletida em deserto de sal que ganhou homenagem da Nasa

O fotógrafo peruano Jheison Huerta levou três anos para fazer essa imagem da nossa galáxia, vista do salar de Uyuni, a Bolivia A Nasa elegeu como “foto astronômica do dia”, em 22 de outubro, esta imagem da Via Láctea capturada por Jheison Huerta no Salar de Uyuni, na Bolívia
Jheison Huerta/BBC
“O que o maior espelho do mundo reflete nessa imagem?”
A Nasa colocou essa questão em seu site quando selecionou a imagem acima como a “fotografia astronômica do dia”, em 22 de outubro.
A imagem da Via Láctea foi registrada pelo fotógrafo peruano Jheison Huerta, na Bolívia, no salar de Uyuni, cuja extensão plana de 130 km pode se tornar um espelho gigantesco durante temporadas úmidas.
“Quando vi a foto, senti uma emoção muito grande”, disse o fotógrafo. “A primeira coisa que veio à mente foi a conexão entre o homem e o universo. Somos todos filhos das estrelas.”
Huerta deu uma entrevista à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, e falou sobre sua foto, o boom da astrofotografia na América Latina e por que antes de capturar uma imagem “devemos pedir ajuda à natureza”.
Leia os principais trechos da entrevista:
BBC News Mundo – Como define a foto que foi selecionada pela Nasa?
Jheison Huerta – É uma astrofotografia de paisagem, também chamada de campo amplo, que é um dos ramos que compõem a astrofotografia.
Muitos pensam que a astrofotografia tem a ver com telescópios, mas nosso ramo é o principal responsável por fazer registros envolvendo tanto a paisagem terrestre quanto os corpos celestes presentes no céu.
Jheison Huerta: “Com o tempo, aprendi a ser muito paciente e esperar a hora certa, esperar a luz ou a chuva se dissiparem e ver as estrelas”
Divulgação/Jheison Huerta
BBC News Mundo – Por que levou três anos para tirar a foto no salar de Uyuni?
Jheison Huerta – Estive pela primeira vez no salar de Uyuni em 2016 e tinha em mente fazer uma panorâmica em que não apenas o braço da Via Láctea pudesse ser visto, mas também seu reflexo.
O salar de Uyuni fica a 3.600 metros acima do nível do mar e é um deserto de sal. Após a estação chuvosa, forma-se uma camada de água na qual é possível ver o reflexo não apenas das nuvens durante o dia, mas também das estrelas à noite.
Na primeira tentativa de fazer a foto, fiquei muito frustrado, porque pensei que havia capturado uma super foto, mas quando cheguei em casa e analisei a foto, vi que meu equipamento não tinha a capacidade de obter uma imagem limpa e clara.
BBC News Mundo – E aí decidiu voltar…
Jheison Huerta – Voltei em 2017 já com equipamento melhor. Comprei outra câmera e outra lente com uma entrada de luz, um diafragma, muito mais aberto.
Mas (na segunda vez) já foi uma questão de azar, porque na semana em que viajei para a Bolívia o céu esteve sempre nublado.
E, teimoso, voltei em 2018 e tirei uma foto muito semelhante, mas me concentrei tanto na Via Láctea que, como personagem, fiquei fora de foco. Pense que estamos em um local com 30 cm de água salgada, muito frio. E você está no meio da noite, não vê absolutamente nada.
Tirei a foto selecionada pela Nasa agora, em abril, depois de buscá-la por muitos anos.
Panorâmica durante o crepúsculo no Salar de Uyuni, na Bolívia
Jheison Huerta/BBC
BBC News Mundo – Por que você viaja para o salar de Uyuni em março ou abril?
Jheison Huerta – Porque de dezembro a fevereiro é a estação das chuvas lá, e muita água se acumula. E eu não viajei antes porque teríamos muitas nuvens que impediriam a visualização.
Então, eu vou assim que a estação das chuvas termina. Tenho contatos em Uyuni e ligo para meus amigos para perguntar: “Ei, como vai o salar?”. Eles me atualizam em tempo real.
E também estudo as fases da lua, porque procuramos a lua nova, quando não há luz. A lua é um agente de iluminação muito poderoso, que pode atrapalhar a visualização das estrelas.
BBC News Mundo – A Nasa destacou que, para conseguir a foto, foi necessário capturar 15 quadros verticais. Você poderia explicar isso?
Jheison Huerta – À minha câmera, adiciono um braço mecânico chamado de cabeça panorâmica.
Primeiro tirei a foto do céu. Tirei sete fotografias para cobrir todo o ângulo da Via Láctea, uma fileira de sete imagens verticais do céu.
Então inclinei a câmera em direção ao chão para tirar mais sete fotografias do reflexo, o que deu 14 imagens.
E, por último, retornei ao ângulo da câmera para o meio da Via Láctea, corri cerca de 15 metros e, com um controle remoto sem fio, apertei o botão à distância.
BBC News Mundo – Você disse que a foto tem uma selfie no meio da imagem.
Jheison Huerta – Muitos me perguntam: “Como você fez isso?”
Primeiro, andei cerca de trinta passos para longe da câmera. E tenho que esperar cinco minutos sem me mexer, porque no momento em que você corre sobre a água gera movimentos e pequenas ondas que não permitiriam o reflexo perfeito das estrelas.
Laguna Jahuacocha, na cordihleira Huayhuash, no Peru
Jheison Huerta/BBC
Uma vez parado, com o controle remoto ativado para que o disparador automático da câmera disparasse após 10 segundos, acendo a lanterna, me ilumino e tiro cerca de 30 fotos para ter certeza de não ficar fora de foco.
Aqui, falamos de 15 fotos, mas eu fiz 200 para ter certeza de que, quando carrego todas as imagens em um programa, ele possui as uniões exatas para que você possa mesclá-las.
BBC News Mundo – Como você mescla essas imagens?
Jheison Huerta – Tudo é carregado em um programa e, nesse caso, você combina manualmente as correspondências entre uma foto e outra.
Para a Via Láctea, composta por sete imagens, você olha manualmente os pontos em que elas coincidem e as monta como um quebra-cabeça.
O programa o reconhece e, no final, fornece a imagem que você vê.
BBC News Mundo – Você estudou administração e comércio. Quando nasceu sua paixão pela astrofotografia?
Jheison Huerta – Viajei para a Itália com minha família aos 13 anos e, depois de 12 anos, retornei ao Peru. Foi aí que descobri a fotografia de paisagem.
Eu moro em Huaraz, uma cidade nos Andes peruanos, no pé da montanha mais alta do país, Huascarán. Estamos no meio da cordilheira dos Andes e, como você pode imaginar, aqui temos muitas paisagens montanhosas.
Em uma caminhada durante a noite, deixei minha barraca e vi esse show da Via Láctea a 5.000 metros acima do nível do mar, com grandes estrelas. Foi espetacular.
Entre 2010 e 2014, tentei aprender todas as técnicas possíveis, pela internet, de fotógrafos da América do Norte e Nova Zelândia. Todo o processo de aprendizagem foi autodidata.
Eu pensava: “deve haver uma maneira de registrar o que estou vendo”. Porque aqui nos Andes você vê a Via Láctea a olho nu. Não precisamos de câmeras ou telescópios, porque são lugares tão altos, onde o céu está muito “seco” e a visibilidade aumenta. E a outra vantagem é que não há cidades por perto.
As montanhas cobertas de neve de Huascarán e Huandoy, na Cordilheira Branca, no Peru.
Jheison Huerta/BBC
BBC News Mundo – Agora você organiza oficinas no salar de Uyuni…
Jheison Huerta – Em 2014, fundei o grupo Astrofoto Andes e me dedico a ensinar.
Não foi algo planejado, mas ao compartilhar minhas imagens em grupos de rede social, muitos outros fotógrafos começaram a me perguntar e dizer: “queremos ir com você e que nos ensine esse tipo de fotografia”.
No Peru, não havia coletivo ou escola onde esse tipo de fotografia era ensinado. No começo, as pessoas também vinham por curiosidade, porque pensavam que as imagens eram falsas.
As oficinas são assistidas por fotógrafos de toda a América Latina e não apenas profissionais. Já vieram pessoas com o celular, que queriam viver a experiência de ver a Via Láctea no salar de Uyuni.
BBC News Mundo – Quão popular é a astrofotografia hoje na América Latina?
Jheison Huerta – O tema da astrofotografia está atualmente em expansão em toda a América Latina. Existem grupos na Argentina, no Uruguai, e uma corrente muito forte está sendo gerada. Isso acontece porque no hemisfério sul podemos aproveitar um céu espetacular que os do norte não vêem.
No sul, a Via Láctea pode ser vista em toda a sua beleza, porque atravessa o céu de sudeste a oeste. Parece um arco-íris de estrelas. Somente no hemisfério sul podemos vê-la dessa maneira.
Existe um céu amigável para todos nós na América do Sul e é por isso que a astrofotografia está entrando muito fortemente.
BBC News Mundo – Além da parte técnica, suas fotos despertam emoções profundas. Até que ponto a astrofotografia ajuda você a ver a vida de outra maneira?
Jheison Huerta – Acredito que o universo sempre foi um lugar onde se busca respostas. É um mundo desconhecido e, ao fotografá-lo, sentimos parte dele com muita proximidade.
Por exemplo, as luzes das estrelas que nossas câmeras capturam fazem parte do passado, porque essas luzes estelares foram emitidas há milhões de anos e estamos vendo apenas agora. Inclusive algumas estrelas já morreram, mas a luz chega até nós agora. Algumas são até estrelas mortas, mas a luz que elas enviaram chega até nós agora.
Laguna Carhuacocha, na cordilheira Huayhuash, na região de Huánuco, no Peru.
Jheison Huerta/BBC
BBC News Mundo – E a foto escolhida pela Nasa, em particular, o que ela transmite para você?
Jheison Huerta – Quando o programa me deu a imagem completa, foi uma emoção muito grande. A primeira coisa que veio à mente foi a conexão entre o homem e o universo. Na verdade, todos nós temos material estelar por dentro, somos filhos das estrelas.
Ultimamente, nas minhas fotografias, tento sempre colocar o elemento humano. Eu acho que a foto sem a pessoa no meio teria sido mais uma imagem da Via Láctea que é vista na internet.
Adicionar uma pessoa com uma luz é a ideia que eu tinha desde o início, e foi justamente para que o público se identificasse ao ver a foto.
Associar elementos humanos a corpos do universo na composição é o tema central do meu trabalho.
BBC News Mundo – No seu site, há uma frase: “Antes de tudo, é necessário ser paciente observador”. Que conselho você daria aos leitores que desejam iniciar a astrofotografia?
Jheison Huerta – Com o tempo, aprendi a ser muito paciente e a esperar a hora certa, a luz, o entardecer ou a chuva se dissipar para conseguir ver as estrelas. O conselho que sempre dou a quem assiste às oficinas é, antes de tudo, ter muito respeito pela natureza.
Por exemplo, quando entramos em uma floresta rochosa, em uma lagoa ou em uma montanha, fazemos isso com muito respeito e pedimos que nos ajudem a obter as melhores fotos. É um tipo de devoção à Terra.
O que eu recomendo é ser paciente, porque talvez na primeira viagem você não tenha a foto, nem na segunda, mas na terceira.
E o próximo passo é treinar, porque sem treinamento não se pode conseguir muito. Você deve estar atualizado com novas técnicas de revelação ou novos programas que o ajudem a continuar crescendo.
Você não deve estagnar ou pensar que, com uma foto premiada pela Nasa, você obteve tudo. Você deve sempre estar em busca de melhorias.
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redação

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