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Tragédia

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O processo eleitoral que estamos vivenciando precisa ser sujeito a uma profunda reflexão. Afinal, é nele que nos preparamos para testar novos caminhos depois de uma década desastrosa (2006-2016), na qual registramos um dos piores crescimentos do PIB (Produto Interno Bruto) per capita do último século.
Nos últimos 40 anos, assistimos à liquidação do nosso “espírito de crescimento”.
O selvagem espetáculo que o maculou no último dia 6 foi uma tragédia pessoal e um alerta sobre os perigos que sempre ameaçam a democracia.

Gera pessimismo com o reconhecimento da barbárie que vai dissolvendo a hipótese generosa de uma “humanidade altruísta” ínsita na natureza do homem.
Basta olhar para a reação nas nações mais educadas e mais desenvolvidas do antiquíssimo continente europeu (e agora, até a Suécia!) para ver, horrorizado, a resistência para aceitar o “outro”.
Assistimos à morte da utópica crença de que o mundo é um arquipélago com “ilhas” habitadas por cidadãos dispostos a sacrificarem-se para atender aos vizinhos.

Quando vemos o homem como ele é, despido da romântica “humanidade moral” que lhe atribuímos, vivemos tempos normais. Trata-se de um animal territorial, dotado pela seleção biológica de um terrível e perigoso instrumento — a sua inteligência.
Com ela, submeteu a natureza que o criou. Inventou sofisticados preconceitos para separar-se em tribos, que se veem com desconfiança dentro e fora dos limites do “território” que ocupam como “seu” e no qual estabelecem “suas” leis.

Pesquisas antropológicas recentes acumulam evidências cada vez maiores de que só o homem é capaz de, em nome de crenças sem nenhum suporte factual, desenvolver poderosas “teorias” para justificar pavorosos massacres de sua própria espécie, quando as põem em outras “tribos”.
A suprema esperança do sistema democrático é que por meio da lei —que a todos submete— seja possível um compromisso entre indivíduos “livres” e “iguais” de empenharem-se numa honesta e razoavelmente racional discussão de seus problemas e —diante da realidade física que condiciona a vida social e econômica— deliberarem sobre o que supõem ser sua melhor solução.

A história mostra que esta é a única alternativa que permite a transição pacífica do poder para testar novos caminhos.
Obviamente nada está garantido, devido às paixões próprias da natureza do homem. A “humanidade” está sujeita a ser dominada pela “animalidade” sempre que seu portador incorporar a crença de sua superioridade sobre o “outro”.
É por isso que o “eu” ou “eles” é a agonia da democracia e o caminho seguro para a sua morte.

Antonio Delfim Netto, economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974)
É autor de “O Problema do Café no Brasil”.

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redação

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